quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Dor de amor

Todos os dias dormia a dor, acordava a dor, alimentava-se da dor, bebia a dor, banhava-se nela e perfumava-se com ela. Uma coisa assim feito piche no pé, difícil de se livrar e mesmo depois de limpo ainda sobra uma mancha sutil de que algo já passou por lá. Fechava os olhos e tentava extrair a dor que assolava o corpo, a mente e a alma, mas não podia. Ela estava sempre ali, como se fizesse parte de sua existência. Queria extirpar, mas não dava. Era como se lhe arrancasse um braço. As horas passavam e aquela maldita dor só aumentava. Era impossível desligar-se dela. Quanto mais tentava, mais se afundava nela. E a sensação de abandono crescia junto. Nunca mais seria a mesma. E era uma dor assim indescritível, interminável, ininterrupta e atroz. Uma dor terrivelmente solitária, de imensidão tamanha, que seria impossível sobreviver. E mesmo assim lutava. E tentava. E se agarrava com unhas e dentes àquela ínfima fresta que forçosamente abriu à contragosto do outro. Mas era uma luta de um só. Talvez já perdida desde o início. E ela não queria enxergar. Enfim, definhou, tal qual a flor - duma sensibilidade tamanha, embora imponente - que, abandonada à própria sorte, não resistiu às intempéries do destino mesquinho que lhe cercava. As migalhas que lhe sobravam não eram suficientes para fazer o pensamento voar. Um amava enquanto o outro, ah, o outro se empolgava...

1 comentários:

Alexandre Spinelli Ferreira disse...

Oi, Georgia!
Adorei este texto. Fiz um 'brincadeira' com ele e criei um poeminha. Espero que não se importe...


A dor dormia
Acordava a dor
Comia e bebia
Banho, perfume
E cama pra dor

Olhos fechados
Pra fugir como magia
Da mente, da alma
Mas ela não podia

E solitária a dor
Só fazia crescer
Imensa, imensa
Impossível sobreviver

E a dor definhou, morreu
A contragosto ela se foi
Depois de lutar, luta de um só
Luta perdida desde sempre

Morreu como flor
Sensível, linda, mas não resistiu
Sozinha, a flor amava
O jardineiro só se empolgava